sexta-feira, 22 de maio de 2009

'A minha proposta pode ser interpretada como a via capitalista para o comunismo'. Philippe Van Parijs

Cosma Orsi entrevista em Il Manifesto o filósofo belga Philippe Van Parijs.

O ingresso de existência é a oportunidade que oferece a grande transformaçom actual para garantir umha liberdade real de todos. Umha entrevista com o académico belga
Philippe Van Parijs por ocasiom da saída do seu último livro.

A te
se de
Philippe Van Parijs é expressom do pensamento democrático radical que olha a “grande transformaçom” do capitalismo como umha oportunidade para introduzir critérios de justiça social que garantam, como gosta de repetir este estudioso belga, umha “liberdade real para todos”.

Docente de ética económica e social na
Universidade Católica de Lovaina, há alguns anos divide a sua vida entre a pequena cidade na qual professa, Bruxelas –à qual vai amiúdo a ditar cursos convocado pola Uniom Europeia- e a Universidade de Harvard, onde dá aulas de filosofia social.

Van Parijs é especialmente conhecido polas suas propostas de umha “renda básica” ou “ingresso cidadão”, elaboradas há vinte anos e “refinadas” no transcurso do tempo. Umha trajectória de pesquisa que alterna textos de “filosofia social” e incursões na história do pensamento económico, condensada em inumeráveis ensaios e livros.


Na Itália estivemos a traduzir Quanta desigualdade podemos aceitar?, escrito com Christian Arnsperger (Il Mulino), O que é uma sociedade justa? (Ponte delle Grazie) [traduçom para português em Ática Editora]. Recentemente a casa editorial Egea, de Milano, publicou o volume escrito com Yannick Vanderbought Renda básica de cidadania - Argumentos éticos e econômicos
[traduçom para português em Civilização Brasileira]. E a entrevista basa-se nas teses contidas no livro.

Como sempre você é um activo defensor da “Renda básica”. Que foi o que lhe levou a abraçar essa linha de pensamento?

Som duas as principais razões. A primeira deriva da tentativa de encontrar umha soluçom às injustiças que nom se baseasse na ideia de fazer crescer o PIB, sempre mais preocupada por aumentar o ritmo de crescimento da produtividade. Em segundo lugar, guiou-me a esperança que fosse umha alternativa ao capitalismo tal como o conhecemos.

E em que direcçom? A resposta mais breve é liberdade real para todos. A justiça consiste em organizar as instituições sociais de modo tal, que garantam o máximo de liberdade compatível com um desenvolvimento socialmente sustentável a todos que gozam com menos liberdade em conduçom da sua existência de acordo com as suas crenças.

No seu último livro publicado recentemente, você define a “Renda Básica ” como um ingresso outorgado pola comunidade política a todos os seus membros, individualmente e sem contrapartida. Em que sentido a sua proposta se diferença das neoliberais e das social-democratas?

O ingresso cidadão é individual, universal e incondicional. Estas três características fazem-no totalmente diferente das políticas baseadas na avaliaçom dos meios económicos que dispõem as pessoas, como o ingresso mínimo de inserçom, adoptado em muitos países (por exemplo, na França). Introduzidos polos social-democratas, os democrata-cristãos ou os liberais, os seus esquemas constituírom um significativo progresso a respeito do sistema de apoio à renda que se baseava na segurança social de base contributiva e assistência social discricional. E respeito desses esquemas, umha imposiçom fiscal negativa constitui um ulterior progresso. O mecanismo de previdência social actualmente existente outorga às famílias a diferença entre o que alcançam a ganhar e um hipotético umbral de pobreza.

Evidentemente, esta medida penaliza toda a tentativa da parte do beneficiário de ganhar qualquer ingresso declarável: de feito, se o figesse, veria reduzidos os seus benefícios. Por outro lado, um esquema de fiscalidade negativa permite que todos desfrutem dos ingressos do seu trabalho. Daqui que nom seja necessária restriçom algumha frente quem quigerem trabalhar.

No seu livro você destaca as razões éticas que asseguram a introduçom de umha “Renda Básica”. As razões económicas limitam-se à reduçom de fenómenos negativos como a pobreza e a desocupaçom. Nom acha que haveria além disso que contribuir razões económicas a favor da sustentabilidade de sua proposta?

Da minha maneira de ver, nom é possível separar os argumentos ético-filosóficos dos económicos. É por razões éticas que nos preocupamos de fenómenos como a pobreza e a desocupaçom. Mas, por outro lado, necessitamos argumentos económicos para determinar a maneira de combatê-los com inteligência. Portanto, se há algumha cousa que justifique especificamente para o capitalismo cognitivo actual a introduçom da Renda Básica som razões de ordem ético, enquanto que na análise económica o que é preciso buscar é o modo de introduzi-la .

Considero que um capitalismo cada vez mais baseado no conhecimento reforça a exigência de combinar trabalhos de baixa remuneraçom com os benefícios dimanantes de umha forma universal de renda de existência com o benefício derivado de umha forma universal de renda de existência.

O argumento nom é que o capitalismo cognitivo tende a produzir umha procurade trabalho cada vez menor. Mais bem é que tende a distribuir o poder derivado dos ganhos de um modo mais e mais assimétrico, chegando a reduzir os salários do grosso de quem se acha embaixo de um nível de vida decente.

Desta maneira, a armadilha da desocupaçom criada polas medidas focalizadas deixa de ser um fenómeno marginal. Para evitar que a maioria da populaçom caia nesta armadilha fai-se entom necessário estender o benefício de que trabalham remuneradamente, como se viu com o famoso Earned Income Tax Credit (EITC) promovido polo ex-presidente dos EUA, Bill Clinton, e sucessivamente importado polo reino Unido de Tony Blair (Working Families Tax Credit) e pola França de Jospin (Sobressaia pour l’Emploi).

A esquerda política e sindical parece estar dividida a respeito da “Renda Básica”. Na Itália houvo um debate muito aceso no curso do ano que conduziu inevitavelmente a interrogar-se sobre a relaçom entre a proposta da Renda Básica e a cultura política do movimento operário organizado. Como interpreta esta “relaçom”?

Num artigo publicado há vinte anos com Robert Van der Veen, apresentei a introduçom de umha renda básica incondicional e o seu aumento gradativo como a “via capitalista ao comunismo”: consiste em “capitalizar” o dinamismo do capitalismo de que falava Karl Marx para aumentar gradativamente a proporçom do produto social redistribuído tanto segundo as necessidades de cada um, quanto segundo a sua contribuiçom, a reduzir gradativamente o número de pessoas empregadas em actividades alienantes. Ainda acho que esta é umha proposta sensata que permite aqueles que acreditam nos ideais de Marx olhar positivamente para umha renda de existência. Perfila-se assim umha concepçom coerente de justiça social, definindo os meios que permitem levar a sua realizaçom.

Alguns críticos consideram que mesmo que a renda básica poda fazer mais suportável a situaçom de precariedade por um breve período, nom contribuirá à luita por um verdadeiro trabalho garantido para todos. Além disso, pensam que um ingresso de existência introduzido só em nível local e só aos trabalhadores precários poderia multiplicar a fragmentaçom da classe operária…

Segundo eu a entendo, a Renda Básica nom é umha medida para fazer mais cómoda a vida de quem a percebe mesmo que nom tenha um trabalho (que também nom é o objetivo declarado das medidas focalizadas), mas um modo de ajudar a todos a encontrar um trabalho que faga sentido.

A sua universalidade coloca-a num contraste vivo com os subsídios para trabalhadores com baixos salários. Seja como for, isso vai da mão com o requisito de flexibilidade do capitalismo cognitivo. Está no interesse de todos que haja flexibilidade no mercado de trabalho, tanto para entrar como para sair dele. Como no interesse de todos está que haja educaçom e sanidade públicas.

Durante o chamado período fordista, o Estado social baseava-se na oportunidade de ter um trabalho. Hoje assistimos ao desmantelamento do sistema de bem-estar. A introduçom de umha Renda Básica, significaria um escoramento do velho Estado de bem-estar, ou haveria de levar a umha nova forma de Estado de bem-estar?

O ingresso de existência deve ser visto como o coraçom propulsor da emancipaçom para um estado socialmente activo. Nas condições actuais –que incluem nom só o “paradigma cognitivo”, mas também, por exemplo, maiores mobilidade e expectativas de vida, e a transformaçom da família— necessitamos urgentemente umha alternativa ao estado de bem-estar passivo, cujos benefícios estavam muito centrados nos economicamente inactivos.

Mas um estado de bem-estar activo nom precisa de umha forma repressiva que active políticas sociais; pode empreender umha via para a emancipaçom que remova as armadilhas perversas, que reforce a segurança mínima para a categoria social mais débil e que aumente a gama de opções de quem têm poucas.

Philippe Van Parijs é membro do Conselho Editorial de SinPermiso. Publicou o livro (escrito em colaboraçom com Yannick Vanderborgh) Renda básica de cidadania - Argumentos éticos e econômicos.

Artigo tirado de SinPermiso

Leia mais...

Sindicatos som um impedimento à introduçom da renda básica?

Yannick Vanderborght

Na maioria de países da OECD, os sindicatos continuam a ser umha peça-chave para a reforma do estado do bem-estar. É por isso que surpreende que quem propõem umha Renda Básica (RB) universal tenham dado tam pouca atençom à posiçom dos sindicatos dos trabalhadores sobre a reforma que promovem.

Este artigo incide nesta questom de duas atitudes complementares. Na primeira parte, resumo alguns dos motivos que poderiam ter os sindicatos para opor-se a defender umha RB. Na segunda parte, utilizo informaçom empírica recolhida na Bélgica e na Holanda para avaliar a solidez das assunções teóricas. O objectivo último desta exploraçom é prospectiva: devem facilitar os sindicatos a introduçom gradual de umha RB nos países da OECD?

1. O que a teoria prediz?

Em favor do debate, assumirei aqui sem discussom que um esquema generoso de RB substituiria os esquemas actuais dos ingressos mínimos, o grosso de créditos e isenções fiscais e integraria-se com os subsídios familiares e, se proceder, com os regimes de pensom básicos. Quanto à segurança social, a RB substituiria a parte mínima dos ingressos por subsídios de desemprego, invalidez e jubilaçom. A renda base que proporcionaria seria complementada por benefícios relacionados com os ingressos, desenhados para cobrir a diferença entre a RB e os níveis de subsídios actuais. Deveriam defender os sindicatos esta reforma tam radical?

1.a. Razões para defender a RB

° Greves coletivas. Se o nível de RB é suficiente, umha parte desta renda se poderia destinar facilmente financiar greves. Em primeiro lugar, o sindicato poderia «gravar» regularmente a RB dos membros com o fim de aumentar os seus fundos para greves e aumentar o poder relativo dos trabalhadores dentro da empresa ou delegaçom. Em segundo lugar, inclusive em ausência deste mecanismo, a RB faria com que cada indivíduo pudesse fazer greve sem que isso tivesse conseqüências económicas tam graves, dado que os trabalhadores continuariam a ter direito a uns ingressos fora do mercado de trabalho. Que figessem greve poderiam fazer frente a seus empresários durante mais tempo.

° Poder de negociaçom individual. A RB forneceria também aos trabalhadores umha verdadeira opçom de saída, confiável e incondicional, e reforçaria o seu poder de negociaçom individual. Mesmo que a primeira fonte de ingressos continue a ser o trabalho assalariado, a existência da RB garante que sempre se poderám beneficiar de uns ingressos básicos, o que os poderia ajudar a negociar um salário mais elevado, inclusive na ausência de umha acçom colectiva, como umha greve.

° Melhores postos de trabalho. O primeiro e o segundo motivo para defender a RB estám ambos relacionados com os recursos de poder que forneceria aos trabalhadores, tanto individual quanto colectivamente. O terceiro é umha conseqüência directa dos dous primeiros motivos. A perspectiva de conflitos de longa duraçom com os sindicatos e a existência de umha opçom de saída força os empresários a melhorar as condições de trabalho de maneira preventiva e fazer as tarefas mais atractivas.

° Compartilhar o posto de trabalho. A política de RB é coerente com compartilhar o posto de trabalho, um objectivo que foi aprovado por vários sindicatos da Europa. A RB fai mais fácil para os trabalhadores pegar trabalhos de meia jornada, ou inclusive deixar os seus postos de trabalho temporariamente e pegar temporadas sabáticas, porque a perda de ingressos se compensa em parte polo pagamento garantido de um subsídio incondicional . Por conseqüência, umha RB ajudaria a criar postos de trabalho sem prejudicar a posiçom de quem já têm um trabalho.

° O fim da exploraçom? Num nível mais geral, Van Parijs e Van der Veen argumentárom que umha RB abriria «umha via capitalista para o comunismo» (1). Segundo a sua opiniom (daquele momento), as sociedades capitalistas já chegárom a etapa de «abundáncia débil», e a introduçom gradativa de umha RB permitiria os trabalhadores saltar a etapa do socialismo e ir directamente ao estabelecimento de umha sociedade comunista. Neste quadro de trabalho, subir o nível de ingressos garantidos a um nível máximo estaria em linha com o critério marxiano «de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades ». Neste palco, evidentemente, a exploraçom nom só se reduziria com o aumento do poder de negociaçom dos trabalhadores, tanto individual quanto colectivo, mas simplesmente desapareceria.

° Salários mais baixos. Mesmo que nos pudéssemos imaginar que os salários aumentariam na parte da esfera de distribuiçom dos ingressos assim que paga, nom se produziria, necessariamente, um aumento generalizado para a incorporaçom de umha RB, porque a sua posta em prática poderia comportar umha espiral descendente: os empresários poderiam começar a descer os salários, considerando que a RB é o complemento necessário para chegar ao nível do salário mínimo. Nestas circunstáncias, o salário mínimo seria um tema de debate.

° Flexibilidade e trabalhos precários. A RB facilitaria o trabalho a meia jornada: é este um caminho desejável de reforma? Quando se argumenta que os trabalhadores poderiam optar por trabalhar menos sempre que o nível mínimo de ingressos for suficiente, os defensores da RB falam das oportunidades. Mas na maioria de casos, o trabalho a meia jornada e os horários flexíveis seriam umha imposiçom dos empresários. Entom, a RB seria um amortecedor financiado polo governo, que suaviza os efeitos prejudiciais de um mercado de trabalho flexível.

° Auto-emprego. Às vezes argumenta-se que a RB oferece novas oportunidades para quem quigerem empreender o seu próprio negócio e trabalhar por conta própria. Por conseqüência, a sua introduçom poderia acelerar o descenso da mão de obra assalariada como núcleo das economias capitalistas. Por este mesmo motivo, a RB prejudicaria a base tradicional de acçom dos sindicatos.

° Actividades informais. Mais geralmente, a opçom de saída facilitada polos ingressos base incondicionais afectaria negativamente o centralismo cultural do trabalho remunerado. Se actualmente o trabalho é a principal fonte de reconhecimento social, com umha RB (elevada o bastante), todo tipo de actividades informais transformariam-se em opções financeiramente viáveis. Por conseqüência, receberiam a consideraçom social adequada e o trabalho assalariado perderia o seu papel principal. Os sindicatos de trabalhadores poderiam ver este desenvolvimento como umha ameaça à sua própria posiçom.

° Renovaçom da exploraçom? Mas talvez o motivo mais decisivo para opor-se à RB de umha perspectiva sindical é o feito de este esquema nom eliminar a exploraçom. O que faria, mais provavelmente, seria mudar a sua natureza. Para dizê-lo em poucas palavras, no caso de umha sociedade com RB, os vadios «explorariam os trabalhadores recebendo uns ingressos gerados (entre outros) pola actividade de quem decidiram trabalhar» (2). De feito, este foi o tema mais polémico de todos os debates filosóficos da proposta.

2. Que nos ensina o trabalho de campo?

Este artigo amostra que umha discussom em profundidade das vantagens e os inconvenientes da RB poderia criar confusom entre os representantes sindicais. Com o fim de esclarecer melhor os temas suscitados por umha lista estática de argumentos, resulta útil vê-lo na prática. Antes de começar, deveria fazer-se notar que, salvo algumhas excepções, a RB nunca foi um tema candente na agenda dos sindicatos, polo menos nos países da OECD. Como Ziegler e Jordan comentárom umha vez, falando da posiçom dos sindicalistas británicos frente a uns ingressos para os cidadãos, a proposta considerou-se amiúdo «umha possibilidade muito remota para que valha a pena tê-la em conta» (3). No entanto, é interessante procurar as «poucas excepções» em que sim se levou em conta, porque, nalguns casos, a RB foi comentada em profundidade polos representantes dos trabalhadores e, algumhas vezes, inclusive se aprovou de maneira oficial.

° A Bélgica: «Nom à Renda Básica!». Com um índice de sindicalismo de aproximadamente 85% (4), nom há dúvida que a Bélgica tem alguns dos sindicatos mais representativos da Europa Ocidental. As duas confederações principais, CSC e FGTB, continuam a ter muito poder na maioria de sectores da economia e estám implicadas em reformas substanciais do estado do bem-estar. A Bélgica também tivo um papel fundamental no debate sobre a RB. O primeiro congresso (1986) e o segundo congresso internacional (1988) sobre o tema realizárom-se na Bélgica sob o impulso de Philippe van Parijs. Com o cientista social Walter van Trier e outros, o autor da Real Freedom for All promoveu a ideia da RB muitas vezes, tanto em partes de fala francesa como em partes de fala flamenga do país.

Para dizê-lo em poucas palavras, poderíamos dizer que ninguém é profeta no seu próprio país. Os principais sindicatos belgas nom mostrárom nunca interesse pola RB, e quando o têm feito expressárom opiniões contrárias. Do começo do debate em meados da década de oitenta, a principal confederaçom (CSC) atacou isso que chamava de umha «utopia absurda e preocupante». Depois que quase vinte anos de debate, alguns destacados sindicalistas ainda se encontram entre os oponentes mais radicais na RB. Em 2002, a CSC publicou um relatório com umha secçom intitulada «Nom à RB!».

Que têm os sindicalistas belgas em contra desta proposta? Polo menos devemos mencionar três preocupações:

Temem que a RB dificultaria mais as negociações com os seus empresários para conseguir umha elevaçom do salário, porque funcionaria como um subsídio salarial indirecto. Os empresários enviárom os representantes sindicais de novo à Administraçom, a dizer que figessem pressom aos políticos para conseguir umha elevaçom do nível da RB. Em resumo, a RB afectaria negativamente o poder relativo dos trabalhadores, especialmente se se tivesse que relacionar com a aboliçom da legislaçom sobre o salário mínimo.

- Os representantes sindicais também expressam o seu compromisso com os esquemas selectivos e orientados. Vem estes esquemas como umha maneira melhor e mais eficiente de utilizar os recursos fiscais que se derivam maciçamente da tributaçom dos salários. Para facilitar umha RB equivalente ao nível de ingressos mínimos (aproximadamente, 600 euros / mês), dizem, poderiam-se subir os impostos substancialmente, o que é inaceitável para a maioria de trabalhadores. E se nom for assim, o sistema seria absurdamente ineficiente: alguns deveriam trabalhar duramente para custear um subsídio miserável.

Nom seria justo dizer que os sindicatos belgas só defendem os interesses de quem têm um posto de trabalho. A maioria destacam o feito com que deveria ajudar aos menos privilegiados, mas insistem em que os pobres necessitam algo mais que receber automaticamente umha RB. Na sua opiniom, este esquema seria o primeiro passo num caminho escorregadio: o desinvestimento em trabalho social seria legítima, e as autoridades públicas deterám progressivamente todos os programas dirigidos à integraçom social e profissional. Além disso, insistem, o trabalho remunerado continua a ser umha condiçom prévia fundamental para o reconhecimento social.


° A Holanda: um sindicato promove com decisom a Renda Básica. Os sindicatos holandeses nom fôrom nunca tam poderosos como os seus homólogos belgas no terreno de política social. No entanto, com um nível de sindicalismo de aproximadamente 30% e umha implicaçom directa em vários conselhos e comités a nível nacional, continuam a ser uns sócios importantes nas discussões sobre a reforma do estado do bem-estar. Wim Kok, um antigo líder da principal confederaçom sindical, FNV, foi primeiro-ministro entre 1994 e 2002.

Na década de oitenta e princípios de noventa, a RB estivo bastante presente nos temas de debate público na Holanda. Durante este período, o sindicato de trabalhadores do sector alimentar Voedingsbond FNV foi um dos promotores mais firmes da proposta da RB. Publicárom muitos folhetos e documentos a favor da proposta e organizárom oficinas de maneira habitual para dar luz aos seus membros. Ao ler estes folhetos, o sociólogo Rik van Berkel ficou «sobressaltado pola utopia dos supostos efeitos da RB [...]. Em resumo, Voedingsbond apresentava a RB como umha panaceia para os problemas da sociedade contemporánea »(5).

Desde o princípio da discussom, os líderes de Voedingsbond questionárom a ética trabalhista e o centralismo cultural do trabalho assalariado, a pedir umha reforma radical que forneceria reconhecimento social aos «que fazem um trabalho nom remunerado, nom têm ingressos nem status social» (6). Infelizmente, a perspectiva de umha RB nom fazia muita graça aos membros do sindicato. Era mais bem um debate vertical: a influência do pessoal com umha boa qualificaçom foi decisiva para a eleiçom da estratégia da RB. Como os mesmos líderes concediam depois, «fijo-se difícil mobilizar os membros para um objectivo tam abstracto e tam a longo prazo como é a RB». Esta perspectiva abstracta, principalmente defendida polo executivo, entrava em contradiçom com «os interesses mais concretos dos membros que viam na sua vida cotiá» (7). Além disso, a confederaçom FNV, à qual pertencia Voedingsbond, nom defendia a iniciativa. Como conseqüência disso, o debate foi-se debilitando e abandoou-se totalmente a princípios da década de 1990.

Conclusões

Chegados a este ponto, podem-se extrair duas conclusões destas investigações. Em primeiro lugar, as instituições e o contexto som importantes. Em países em que o sistema de bem-estar se basa maciçamente nas contribuições sociais mais do que nos impostos directos, cada passo para umha RB é vista como uma reforma radical. Através das contribuições dos trabalhadores, os sindicatos belgas e holandeses participam do financiamento e a gestom da segurança social. Que passaria, perguntam eles legitimamente, se o ministro das finanças se transformasse num actor-chave em política social? Na Bélgica, os sindicatos trabalham com os casos individuais dos trabalhadores desempregados. Isto também poderia explicar por que sempre olhárom suspeitosamente a implementaçom de um sistema de pagamento automático. Mais geralmente, no contexto de umha economia cada vez mais competitiva e num momento em que os governos estám a pedir um «estado de bem-estar mais activo», os sindicatos belgas e holandeses temem que esta reforma radical degenere necessariamente num cenário do pior dos casos: um desmantelamento do estado do bem-estar, nom umha culminaçom.

Em segundo lugar, parece que a introduçom de umha RB nom tem muito a oferecer à maioria de sindicalistas. Em tempos de reduções em sectores chave do sistema do bem-estar (pensões e seguros de saúde), é difícil convencer os trabalhadores que paguem um subsídio incondicional que beneficiará principalmente quem nom tem um trabalho. Nom é nengumha surpresa que dentro do sindicato holandês Voedingsbond a RB esteja defendida por membros desempregados (8). Na França, por exemplo, a RB foi defendida principalmente por organismos independentes, que se criárom na década de oitenta como resultado da incapacidade dos sindicatos de levar em conta as necessidades específicas dos desempregados.

Desta maneira, se ainda é certo que, como comentou uma vez Claus Offe, os ganhos para a classe média-alta representam «a condiçom prévia indispensável para fazer previdência social para os menos favorecidos (incluindo os segmentos menos privilegiados da classe trabalhadora) politicamente factível »(9), os defensores da RB deveriam começar a trabalhar para conseguir a conversom dos representantes sindicais por motivos éticos e, sobretudo, pragmáticos. Nom há dúvida que devem tentar promover qualquer debate sobre estes temas dentro dos sindicatos. Deveriam informar deste debate a esclarecer as vantagens e os inconvenientes dos pacotes de reformas, e ajudar os sindicatos a solucionar o dilema de "salários mais elevados frente a um nível de desemprego mais baixo». Porque mesmo que nom sejam aliados naturais de quem defendem a ideia da RB, os sindicatos continuam a ter um papel fundamental e continuam a ser uns sócios insubstituíveis.

Notas
(1) Van Parijs i Van der Veen, 1986.

(2) Reeve, 2003: 11.

(3) Ziegler i Jordan, 2001: 3.

(4) Font: Ebbinghaus i Visser, 2000 («densitat bruta en percentatge de treballadors dependents»).

(5) Van Berkel, 1994: 19.

(6) Lubbi, 1991: 15.

(7) Van Berkel et al., 1993: 22-24.

(8) Van Berkel, 1994: 20.

(9) Offe, 1992: 72.

Bibliografia
EBBINGHAUS, Bernhard i VISSER, Jelle (2000). Trade unions in Western Europe since 1945, Londres: Macmillan.

LUBBI, Greetje (1991). «Towards a full BI», Basic Income Research Group Bulletin, Londres, 12 (febrer del 1991), 15-16.

OFFE, Claus (1992). «A Non-Productivist Design for Social Policies». A: VAN PARIJS, P. [ed.]. Arguing for Basic Income: Ethical Foundations for a Radical Reform, Londres: Verso, 61-78.

REEVE, Andrew (2003). «Introduction». A: REEVE, A. i WILLIAMS, A. [eds.] (2003). Real Libertarianism Assessed: Political Theory after Van Parijs, Houndmills: Palgrave Macmillan, 1-14.

VAN BERKEL, Rik et al. (1993). Met z’n allen zwijgen in de woestijn. Een onderzoek naar het basisinkomen binnen de Voedingsbond FNV, Universiteit Utrecht: Vakgroep Algemene Sociale Wetenschappen.

VAN BERKEL, Rik (1994). «Basic Income as trade union policy», Citizen’s income Bulletin (Londres), 17 (Janeiro de 1994), 18-21.

VAN PARIJS, Philippe i VAN DER VEEN, Robert (1993) [1986]. «A capitalist road to communism». A: VAN PARIJS, Philippe. Marxism Recycled, Cambridge: Cambridge University Press, 155-75.

ZIEGLER, Rafael i JORDAN, Bill (2001). «The Trade Unions, Tax-Benefit Reform and Basic Income: Stumbling towards a Policy?», Citizen’s income Newsletter (Londres), 3a ediçom.


Yannick Vanderborght é investigador associado do Fundo Nacional de Pesquisa Científica e da cátedra Hoover (Universidad Católica de Lovaina, na Bélgica). Publicou o livro (escrito em colaboraçom com Philip Van Parijs) Renda básica de cidadania - Argumentos éticos e econômicos.

Leia mais...

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Tudo o que você quer saber sobre a crise mas tem medo de não entender

Walden Bello

O que causou o colapso do centro nevrálgico do capitalismo global? O pior já passou? O que a crise de superprodução dos anos 70 tem a ver com os acontecimentos recentes? Qual a relação entre a política de reestruturação neoliberal, adotada para superar a crise de superprodução, e o colapso de Wall Street? Como se formam, crescem e explodem as bolhas e como se formou a atual bolha imobiliária? Walden Bello, professor de ciências políticas e sociais, oferece algumas respostas a tais questões.

Todos nós fazemos as seguintes perguntas sobre a atual crise financeira:

O pior já passou? O que causou o colapso do centro nevrálgico do capitalismo global? Foi a cobiça?

Foi Wall Street um caso de "alguacil endemoniado"? (1) Foi falta de regulação? Não há nada mais? Não há nada sistêmico?

O que a crise de superprodução dos anos 70 tem a ver com os acontecimentos recentes? Então, o que aconteceu?

Como o capitalismo tratou de resolver a crise de superprodução? Em que consistiu a reestruturação neoliberal?

Em que medida a globalização dos 80 e 90 foi uma resposta à crise dos 70? Por que a financeirização é tão volátil?

Como se formam, crescem e explodem as bolhas? Como se formou a presente bolha imobiliária? E como cresceu?

Como puderam as hipotecas subprime degenerarem-se num problema dessas dimensões?

E como é possível que os titãs de Wall Street desabem como um castelo de cartas? O que acontecerá agora?


Com efeito, todos nós fazemos essas perguntas. Porém poucos podem tratar de respondê-las com a insólita combinação de elegância, profundidade, claridade e a extrema sensibilidade do economista e cientista político Walden Bello. E muito menos em apenas 4000 palavras.

O desmoronamento de Wall Street não se deve somente à cobiça e à falta de regulação estatal de um setor hiperativo. Procede, também e sobretudo, da crise de sobreprodução que vem minando o capitalismo remundializado desde meados dos anos 70. É assim que Walden Bello vê esta crise de fim de época.

Muita gente em Wall Street ainda segue tentando digerir os acontecimentos das últimas semanas.

Entre 1 e 3 bilhões de dólares de ativos financeiros evaporados.

Wall Street, nacionalizado, com o Banco Central e o Departamento do Tesouro tomando todas as decisões estratégicas importantes no setor financeiro e tudo isso com um governo que, por trás do resgate da AIG, passa a dirigir a maior companhia seguradora do mundo.

O maior resgate desde a grande depressão, com 700 milhões de dólares levantados desesperadamente para salvar o sistema financeiro.

As explicações habituais já não bastam. Os acontecimentos extraordinários precisam de explicações extraordinárias. Mas, antes...

O pior já passou?


Não. Se algo ficou claro com os movimentos contraditórios dessas últimas semanas, em que, no momento em que se permitia a quebra do Lehman Brothers se nacionalizava a AIG e se programava a tomada de controle da Merril Lynch pelo Bank of America, é que não há uma estratégia para enfrentar a crise. Há, em resumo, respostas táticas, como bombeiros que pisam na mangueira, atrapalhados com a magnitude do incêndio.

O resgate de 700 milhões de dólares das obrigações hipotecárias respaldadas pelo poder dos bancos não é uma estratégia, senão basicamente um esforço desesperado para restaurar a confiança no sistema, para prevenir a erosão da fé nos bancos e em outras instituições financeiras e para evitar a afluência massiva de retirada de fundos dos bancos, como a que desencadeou a Grande Depressão de 1929.

O que causou o colapso do centro nevrálgico do capitalismo global? Foi a cobiça?

A velha e venerada cobiça teve sua parte. A isso se referia Klaus Shwab, o organizador do Forum Econômico Mundial, o convescote da elite global celebrado anualmente nos Alpes suíços, quando disse a sua clientela, em Davos este ano: “Temos de pagar todos os pecados do passado”.

Wall Street foi um caso de "alguazil endemoniado"?

Certamente. Os especuladores financeiros fizeram marola até se confundirem eles próprios com a criação de contratos financeiros cada vez mais complexos, como os derivados, tratando de ganhar dinheiro a partir de todos os tipos de riscos (incluídos exóticos instrumentos de riscos futuros, como os credits default swaps ou contratos de proteção de derivados creditícios, que permitiam aos investidores apostar, por exemplo, que os clientes da própria corporação bancária não seriam capazes de pagar suas dívidas! Tal é o comércio multibilionário não regulado que acabou abatendo a AIG.

Em 17 de dezembro de 2005, quando a International Financing Review (IFR) anunciou seus prêmios anuais – um dos programas de prêmios mais prestigiados do setor -, disse: “Lehman Brothers não só manteve sua presença global no mercado, como dirigiu a entrada no espaço de preferência...desenvolvendo novos produtos e desenhando transações capazes de subvencionar as necessidades dos clientes...Lehman Brothers é o mais inovador no espaço de preferência precisamente por fazer coisas que não se podem ver em nenhum outro lugar”.

Sem comentários.

Foi falta de regulação?


Sim. Todo mundo reconhece agora que a capacidade de Wall Street para inovar e imaginar instrumentos financeiros cada vez mais sofisticados tem ido muito além da capacidade regulatória do Estado, e não porque o Estado não seja capaz de regular, mas porque a atitude neoliberal, de laissez-faire imperante impediu ao Estado desenhar mecanismos efetivos de regulação.

Então não há nada mais? Não há nada sistêmico?


Bem, Georges Soros, que viu a crise se aproximar, disse que o que estamos passando é a crise do sistema financeiro, a crise do “gigantesco sistema circulatório” de um sistema “capitalista global...que está passando dos limites”.

Para seguir com a tese do arquiespeculador, estamos assistindo é a uma intensificação de uma crise ou de uma contradição central do capitalismo global: a crise de superprodução, também conhecida como super-acumulação e supercapacidade.

Trata-se da tendência do capitalismo de produzir uma enorme capacidade produtiva que termina por rebaixar a capacidade de consumo da população, devido às desigualdades que limitam o poder de compra popular, o qual termina por erodir as taxas de lucro.

Mas o que a crise de superprodução tem a ver com os acontecimentos recentes?


Muitíssimo. Só que, para entender a conexão, teremos de retroceder à chamada Época Dourada do capitalismo contemporâneo, ao período compreendido entre 1945 e 1975.

Foi um período de rápido crescimento, tanto nas economias do centro como nas subdesenvolvidas; um crescimento propiciado, em parte, pela massiva reconstrução da Europa e do Leste Asiático depois da devastação da II Guerra Mundial e, em parte, pela nova configuração sócio-econômica institucionalizada sob o novo estado keynesiano. Um aspecto chave desta última foram os severos controles estatais da atividade de mercado, o uso agressivo de políticas fiscais e monetárias para minimizar a inflação e a recessão, assim como um regime de salários relativamente altos para estimular e manter a demanda.

O que aconteceu, então?


Bem, este período de elevado crescimento terminou em meados dos 70, quando as economias do centro se viram imersas na estagflação, quer dizer, na coexistência de um baixo crescimento com uma inflação alta, o que a teoria econômica neoclássica supunha impossível.

Contudo, a estagflação era um sintoma de uma causa mais profunda, a saber, a reconstrução da Alemanha e do Japão, assim como o rápido crescimento de economias em vias de industrialização, como Brasil, Taiwan e Coréia do Sul, somando-se a isso uma enorme capacidade produtiva que incrementou a competição global, enquanto a desigualdade social, dentro de cada país e entre países limitou globalmente o crescimento do poder aquisitivo e da demanda, resultando assim erodida a taxa de lucro. A drástica elevação do preço do petróleo nos anos setenta não fez senão agravar a coisa.

Como o capitalismo tratou de resolver a crise de superprodução?


O capital tentou três vias de saída do atoleiro da superprodução: a restruturação neoliberal, a globalização e a financeirização.

Em que consistiu a reestruturação neoliberal?


A reestruturação neoliberal tomou a forma do reaganismo e do thatcherismo no Norte e do ajuste estrutural no Sul. O objetivo era a revigorização da acumulação de capital, o que foi feito: 1) removendo as restrições estatais ao crescimento, ao uso e aos fluxos de capital e de riqueza; 2) redistribuindo a renda das classes pobres e médias dentre os ricos, de acordo com a teoria de que assim os ricos seriam motivados a investir e a alimentar o crescimento econômico.

O problema dessa fórmula era que, ao redistribuir a renda em favor dos ricos, estrangulava-se a renda dos pobres e das classes médias, o que provocava a restrição da demanda, sem necessariamente induzir os ricos a investir mais em produção.

De fato, a reestruturação neoliberal, que se generalizou no Norte e no Sul ao longo dos anos oitenta e noventa, teve resultados pobres em termos de crescimento: o crescimento global alcançado foi de 1,1% nos 90 e de 1,4 nos 80, enquanto a média nos 60 e nos 70, quando as políticas intervencionistas eram dominantes, foi, respectivamente, de 3,5% e de 2,54%. A reestruturação neoliberal não pôde terminar com a “estagflação”.

Em que medida a globalização foi uma resposta à crise?


A segunda via de escape global tentada pelo capital para enfrentar a estagflação foi a “acumulação extensiva” ou globalização, quer dizer, a rápida integração das zonas semi-capitalistas, não-capitalistas e pré-capitalistas à economia global de mercado. Rosa Luxemburgo, a celebrada economista e revolucionária alemã, percebeu este mecanismo há muito tempo, vendo-o nas economias metropolitanas. Como? Com o acesso de novas fontes de produtos agrícolas e de matéria-prima baratos; e criando novas áreas para investimento em infra-estrutura. A integração se produz através da liberalização do comércio, removendo obstáculos à mobilidade do capital e abolindo as fronteiras para o investimento no exterior.

Nem é o preciso lembra que a China é o caso mais destacado de uma área não-capitalista integrada na economia capitalista global nos últimos 25 anos.

Para compensar seus lucros declinantes, um considerável número de corporações empresariais situadas entre as primeiras 500 do ranking da revista Fortune deslocaram uma parte significativa de suas operações para a China, a fim de aproveitar as vantagens do chamado “preço chinês” (as vantagens de custos derivadas de um trabalho barato e aparentemente inesgotável). Em meados da primeira década do século XXI, entre 40 e 50% dos lucros das corporações estadunidenses procediam de suas operações e vendas no exterior, marcadamente na China.

Por que a globalização não pôde superar a crise?


O problema com esta via de saída do estancamento é que se exacerba o problema da superprodução, porque aumenta a capacidade produtiva. A China dos últimos 25 anos acrescentou um tremendo volume de capacidade manufatureira, o que teve por efeito deprimir os preços e os lucros. Não por acaso, os lucros das corporações estadunidenses deixaram de crescer até 1997. De acordo com um índice estatístico, as taxas de lucros das 500 maiores da Fortune passou de 7,15 em 1960-69 a 5,3 em 1980-1990, a 2,29 em 1990-99 e a 1,32 em 2000-02.

Dados os limitados ganhos obtidos para conter o impacto depressivo da superprodução, seja através da reestruturação neoliberal, seja com a globalização, a terceira via de saída tornou-se vital para manter e para elevar a rentabilidade. A terceira via é a financeirização.

No mundo ideal da teoria econômica neoclássica, o sistema financeiro é o mecanismo à mercê do qual os poupadores, ou quem se encontra na posse de fundos excedentes, juntam-se com os empresários que têm necessidade de seus fundos, para investir em produção. No mundo real, do capitalismo tardio, com o investimento na indústria e na agricultura gerando lucros magros, por causa da superprodução, grandes quantidades de fundos excedentes circulam e são investidas e re-investidas no setor financeiro. Quer dizer, o sistema financeiro gira sobre si mesmo.

O resultado é que se aumenta o hiato aberto entre uma economia financeira hiperativa e uma economia real estancada. Como bem observa um executivo financeiro: “tem havido uma crescente desconexão entre a economia real e a economia financeira nos últimos anos. A economia real cresceu, mas nada comparável à financeira...até que explodiu”.

O que este observador nos diz é que a desconexão entre a economia real e a financeira não é acidental: que a economia financeira se distanciou precisamente para fazer frente ao estancamento gerador da superprodução da economial real.

Quais foram os problemas da financeirização como via de saída?

O problema de investir em operações do setor financeiro é que equivale a exprimir valor de valor já criado. Pode criar lucro, de acordo, mas não cria valor – só a indústria, a agricultura, o comércio e os serviços criam valor novo. Visto que os lucros não se baseiam na criação de valor novo ou agregado, as operações de investimento resultam extremamente voláteis e os preços das ações, as obrigações e de outras formas de investimento podem chegar a divergir radicalmente de seu valor real: por exemplo, as ações de empresas incipientes de Internet, que se mantiveram por um tempo em alta, sustentadas principalmente por valorações financeiras em espiral, para logo arruinarem-se.

Os lucros dependem, então, do aproveitamento das vantagens por movimento de preços que divergem da alta do valor das mercadorias, para vender oportunamente antes de que a realidade force a “correção” para baixa, a fim de ajustar-se aos valores reais. A alta radical dos preços de um ativo, muito além dos valores reais, é o que se cama de formação de uma bolha.

Por que a financeirização é tão volátil?

Com a rentabilidade dependendo de golpes especulativos, não resulta surpreendente que o setor financeiro vá de bolha em bolha, ou de uma mania especulativa a outra.

Visto que está sustentando por uma mania especulativa, o capitalismo induzido financeiramente não deixou de bater recordes em matéria de crises financeiras desde que os mercados de capitais foram desregulados e liberalizados nos 80.

Antes da atual débâcle de Wall Street, as mais explosivas foram a crise financeira mexicana de 1994-95, a crise financeira asiática de 1997-98, a crise financeira russa de 1996, o colapso do mercado de valores de Wall Street de 2001 e o colapso financeiro argentino de 2002.

O antigo secretário do Tesouro, de Bill Clinton, um homem de Wall Street, Robert Rubin, previu há cinco anos que "as crises financeiras futuras serão com quase toda certeza inevitáveis e poderiam chegar a ser até piores".

Como se formam, crescem e estouram as bolhas?


Tomemos como exemplo a crise financeira asiática de 1997-98:

Primeiro: balança de pagamentos e liberalização financeira impostas pelo FMI e pelo Departamento norte-americano do Tesouro.

Depois, entrada de fundos estrangeiros em busca de rápida e elevada rentabilidade, o que significa que entraram no mercado imobiliário e no mercado de valores.

Superinvestimento, o que levou à derrubada dos preços no mercado de valores e no mercado imobiliário e que, por sua vez, conduziu ao pânico e à conseguinte retirada de fundos em 1997; em poucas semanas, milhões de dólares abandonaram as economias do leste asiático.

Resgate dos especuladores estrangeiros por parte do FMI.

Colapso da economia real: a recessão se estende por todo o leste asiático em 1998.

Apesar da desestabilização em grande escala, todos as ações voltadas para impor regulações nacionais ou globais do sistema financeiro foram rechaçadas com razões puramente ideológicas.

Voltemos à presente bolha. Como se formou?


O atual colapso de Wall Street está enraizado na bolha tecnológica de fins dos 90, quando o preço das ações das empresas incipientes no mundo da Internet disparou, para logo desmoronar, resultando na perda de ativos no valor de 7 bilhões de dólares e na recessão de 2001-02.

As frouxas políticas monetárias do Banco Central norte-americano, na gestão de Alan Greenspan, estimularam a bolha tecnológica e, quando esta colapsou, dando origem à recessão, Greesnpan, tratando de prevenir uma recessão duradoura, rebaixou em junho de 2003 as taxas de juros a um nível sem precedentes em 45 anos (a 1%), mantendo-no nesse nível durante mais de um ano. Com isso, o que conseguiu foi estimular a formação de outra bolha: a bolha imobiliária.

Pouco tempo antes, como em 2002, economistas como Dean Baker, do Center for Economic Policy Research, alertaram sobre a formação de uma bolha imobiliária. Porém, numa data tardia como 2005 o então presidente do Conselho Econômico de assessores da Presidência da nação e atual presidente do Banco Central norte-americano, Bern Bernanke, atribuía o aumento dos preços dos imóveis a “uns fundamentos econômicos robustos”, e não à atividade especulativa. A quem pode surpreender que o estouro da crise subprime no verão de 2007 pegasse este homenzinho de moral tão baixa?

E como cresceu?


Escutemo-lo da boca de um dos próprios juizes-chave nos mercados, George Soros: “As instituições hipotecárias animaram os hipotecados a refinanciar sus hipotecas, aproveitando a revalorização experimentada, na ocasião, de suas casas. Rebaixaram seus critérios de empréstimo e introduziram novos produtos, como hipotecas a juros variáveis, hipotecas que 'só geravam juros' e 'ofertas promocionais' com tipos de juros de morrer de rir. Tudo isso animou a especular com a casa. Os preços das casas começaram a subir a um ritmo de dois dígitos. Isso serviu para retro-alimentar a especulação, e a alta dos preços imobiliários conseguiu que os proprietários de casas se sentissem ricos; o resultado foi o boom consumista que sustentou a economia nos últimos anos”.

Vendo as coisas mais de perto, vê-se que a crise hipotecária não resultou de uma oferta superior à demanda real. A “demanda” estava, quando muito, fabricada pela mania especulativa de promotores e financistas empenhados em conseguir grandes lucros a partir de seu acesso ao dinheiro estrangeiro que inundou os EUA na última década. Enormes volumes hipotecários foram agressivamente oferecidos e vendidos a milhões de pessoas que, normalmente, não teriam podido permitir-se tal coisa, oferecendo-lhes taxas de juros ridiculamente baixas, posteriormente ajustáveis, para tirar mais dinheiro dos proprietários de casas.

Mas como puderam as hipotecas subprime degenerarem-se num problema de tais dimensões?

Porque os ativos passaram, então, a ser “assegurados”: aqueles que tinham gerado as hipotecas trataram de amalgamá-las com outros ativos, em complexos produtos derivados chamados “obrigações de dívida colaterizada” (CDO, nas suas iniciais em inglês), o que resultou relativamente fácil, dado que trabalhavam com diversos tipos de intermediários que, sabedores do risco, desfaziam-se desses títulos de valores o mais rapidamente possível, passando-os a outros bancos e a outros investidores institucionais. Essas instituições, por sua vez, se desfaziam do produto, passando-o a outros bancos e a instituições financeiras estrangeiras.

Quando aumentaram os juros dos emprésticos subprime, das hipotecas variáveis e dos outros empréstimos imobiliários, o jogo chegou ao seu fim. Há cerca de 6 milhões de hipotecas subprime, das quais 40% entrarão em insolvência nos próximos dois anos, segundo estimativas de Soros.

A esses 6 milhões há que se acrescentar outros 5 milhões de insolventes nos próximos 7 anos, derivados dos tipos hipotecários variáveis e de outros “empréstimos flexíveis”. Mas os títulos, cujos valores se conta em bilhões de dólares, já se infiltraram como um vírus no sistema financeiro global. O gigantesco sistema circulatório do capitalismo foi fatalmente infectado.

E como puderam os titãs de Wall Street desmoronarem como um castelo de cartas?


O que ocorreu com Lehman Brothers, Merril Lynch, Fannie Mae, Freddie Mc e Bear Stearns foi, simplesmente, que as perdas representadas por esses títulos tóxicos rebaixaram em muito suas reservas, o que conduziu a sua queda. E cairão mais, provavelmente, quando em seus livros de contabilidade, os títulos que agora figuram como haveres, corrigirem-se para refletir o atual valor desses ativos.

E muitos outros lhes seguirão, à medida que vão sendo expostas outras operações especulativas, como as centradas nos cartões de crédito e nas diferentes variedades de seguro contra riscos. AIG caiu por causa de sua gigantesca exposição na área não-regulada dos contratos de proteção creditícia derivada (credit default swaps), um dos derivados financeiros que permitiam aos investidores apostar dinheiro na possibilidade de que as empresas não pudessem pagar os empréstimos.

Essas apostas sobre insolvências creditícias representam agora um mercado de 45 bilhões de dólares, um mercado, como se disse, que carece de qualquer regulação. A ciclópica dimensão dos ativos, que poderiam ser deteriorados no caso de a AIG colapsar foi o que motivou Washington a mudar de idéia e intervir para resgatá-lo, logo após ter deixado o Lehman Brothers cair.

O que vai acontecer agora?


Pode dizer-se sem vilania que haverá mais bancarrotas e mais nacionalizações e intervenções públicas recuperando as instituições e que os bancos estrangeiros terão um papel auxiliar ao do governo dos EUA. E que o colapso de Wall Street vai mais longe e prolongará a recessão norte-americana. E que a recessão nos EUA se comunicará a Ásia e ao resto do mundo, que também sofrerá uma recessão, senão algo pior. A razão disto é que o principal mercado exterior da China são os EUA e que a China, por sua vez, importa matérias primas e bens intermediários –que servem para suas exportações aos EUA– do Japão, da Coréia e do Sudeste asiático. A globalização tem tornado impossível o “desacoplamento”. Os EUA, a China e o Leste Asiático andam agora como três prisioneiros atados por uma mesma corrente.

Em resumo?


O desabamento de Wall Street não se deve apenas à cobiça e à falta de regulação estatal do setor hiperativo. O colapso de Wall Street tem suas raízes na crise de superprodução que foi a praga do capitalismo global desde meados dos 70.

A financeirização do investimento tem sido uma das vias de escape para sair do estancamento, sendo as outras a da reestruturação neoliberal e da globalização. Tendo resultado de pouco alívio a reestruturação neoliberal e a globalização, a financeirização pareceu atrativa como mecanismo de restauração da rentabilidade. Mas o que agora ficou demonstrado é que a financeirização é uma trilha perigosa que leva à formação de bolhas especulativas, capazes de oferecer uma efêmera prosperidade a uns quantos, mas que terminam no colapso empresarial e na recessão da economia real.

As questões-chave são estas: Quão profunda e duradoura será esta recessão? A economia dos EUA necessitará criar outra bolha especulativa para sair dessa recessão? E se isso for o caso, onde se formará a próxima bolha? Alguns dizem que a próxima surgirá no complexo militar-industrial ou no “capitalismo de desastre” sobre o qual escreve Naomi Klein. Mas isso não é farinha do mesmo saco.

(1) Peça satírica de 1627, de Francisco de Quevedo, onde um funcionário do rei é possuído pelo demônio.

Walden Bello, professor de ciências políticas e sociais na Universidade de Filipinas, é membro do Transnational Institute de Amsterdam e presidente de Freedom from Debt Coalition, assim quanto analista senior no Focus On the Gobal South.


Tradução: Katarina Peixoto
Publicado en SinPermiso

Leia mais...

A financiarização do capital e a crise

John Bellamy Foster

Agora, em retrospectiva, poucos duvidam que a bolha imobiliária que induziu grande parte do recente crescimento da economia estado-unidense era obrigada a explodir ou que uma crise financeira geral e uma baixa económica global tinham de ser os seus resultados inevitáveis. Os sinais de advertência foram evidentes durante anos para todos aqueles não apanhados pela nova alquimia financeira da administração de dívidas de alto risco, e não cegados, como grande parte do mundo corporativo, pelos enormes lucros especulativos. Isto pode ser visto numa série de artigos publicados neste espaço [Montlhy Review]: The Household Debt Bubble (Maio/2006), A explosão da dívida e a especulação (Novembro/2006), Monopoly-Finance Capital (Dezembro/2006), e The Financialization of Capitalism (Abril/2007). Neste último escrevemos:

Tão crucial tem sido a bolha habitacional como contenção à estagnação e base para a financeirização, e tão estreitamente relacionada ela está com o bem estar básico das famílias dos EUA, que a actual fraqueza no mercado habitacional poderia precipitar tanto uma baixa económica aguda como o desordenamento financeiro generalizado. Novos aumentos nas taxas de juro têm o potencial para gerar um círculo vicioso com valores de casas estagnados ou mesmo em queda e o crescimento dos rácios do serviço da dívida dos consumidores conduzindo a uma inundação de incumprimentos. O facto de que o consumo nos EUA é a fonte nuclear da procura para a economia mundial levanta a possibilidade de que isto poderia contribuir para uma crise mais globalizada...

Em Setembro de 2006, no Global Financial Stability Report, o conselho de directores executivos do FMI exprimiu a preocupação de que o crescimento rápido dos hedge funds e dos créditos derivativos poderia ter um impacto sistemático sobre a estabilidade financeira, e que uma baixa da economia americana e um arrefecimento do seu mercado habitacional pudesse conduzir a maior "turbulência financeira", a qual poderia ser "amplificada no caso de choques inesperados". O contexto total é aquele de uma financeirização tão fora de controle que choques inesperados e severos para o sistema e os resultantes contágios financeiros são encarados como inevitáveis. (1)

Este cenário, que já estava a começar a desenrolar-se no momento em que a passagem acima foi escrita, de preços da habitação estagnados e em queda, de uma inundação de incumprimentos, e de uma crise económica global devido ao contágio financeiro e uma queda no consumo estado-unidense, agora tornou-se uma realidade concreta. Desde o colapso do mercado hipotecário subprime em Julho de 2007, a agonia e o pânico financeiros disseminaram-se incontrolavelmente não só através de países como também através dos próprios mercados financeiros, infectando um sector após outro: hipotecas com taxas ajustáveis, papel comercial (dívida corporativa a curto prazo não segurada), títulos de seguradoras, concessão de empréstimos hipotecários comerciais, empréstimos para automóveis, cartões de crédito e empréstimos para estudantes.

Bancos, hedge funds e mercados monetários estão todos sob assalto. Considerando a já fraca condição da produção dos EUA, não levou muito tempo para que esta desestruturação fosse registada com números negativos na economia "real": emprego em queda, consumo e investimento enfraquecidos, produção e lucros em baixa. A maior parte dos analistas económicos e de negócios agora acredita que uma máxima explosão da recessão esteja pela frente tanto em relação aos Estados Unidos como em relação à economia mundial, e pode já ter principiado. "A partir de agora", declarou em 25 de Fevereiro de 2008 Alan Greenspan, ex presidente do Federal Reserve Board, "o crescimento económico dos EUA é zero. Estamos à velocidade de estábulo". (2)

O que argumentaremos aqui é que não se trata apenas de um outro esmagamento maciço de crédito daquela espécie tão familiar na história do capitalismo, mas sinais de uma nova fase no desenvolvimento das contradições do sistema, as quais denominámos "capital monopolista-financeiro". A explosão de duas grandes bolhas financeiras em sete anos na cidadela do capitalismo aponta para uma crise de financiarização, ou da progressiva mudança do peso da produção para as finanças que tem caracterizado a economia ao longo das últimas quatro décadas.

Aquilo que Paul Sweezy, a pouco mais de uma década, chamou "a financiarização do processo de acumulação de capital" foi a força principal a levantar o crescimento económico a partir da década de 1970. (3) A transformação no sistema que isto provocou é reflectida no rápido crescimento desde os anos 1970 dos lucros financeiros como uma percentagem dos lucros totais (Ver Gráfico 1). O facto de que tal financiarização do capital pareça estar a tomar a forma de bolhas cada vez maiores que explodem mais frequentemente e com efeitos mais devastadores, ameaçando a cada momento um aprofundamento da estagnação — ou seja, a condição, endémica ao capitalismo maduro, de crescimento vagaroso e aumento da capacidade excedentária bem como do desemprego/sub-emprego — é portanto um desenvolvimento da máxima significância.



A cinco fases de uma bolha

Embora o declínio maciço do mercado de acções em 2000 parecesse pressagiar um sério declínio económico, as perdas dos negócios foram amortecidas e rupturas económicas mais vastas foram restringidas por uma bolha imobiliária — o que conduziu a apenas uma recessão relativamente menor em 2001. O analista financeiro Stephanie Pomboy, em MacroMavens, correctamente alcunhou isto em 2002 como "A grande bolha da transferência", na qual uma bolha especulativa no mercado hipotecário de casas milagrosamente compensou a explosão da bolha do mercado de acções. (4) O Fed, através de baixas taxas de juro e mudanças nas exigências de reservas dos bancos (as quais tornam mais fundos disponíveis) despejou capital maciçamente no mercado habitacional, a concessão de empréstimos hipotecários disparou, os preços habitacionais ascenderam e a hiper-especulação iniciou-se.

O que aconteceu seguiu o padrão clássico das bolhas especulativas ao longo da história do capitalismo, tão excelentemente descrita por Charles Kindleberger em Manias, Panics, And Crashes : lançamento de um novo produto, expansão do crédito, mania especulativa, aflição e crash/pânico. (5)

Novos lançamentos

Um novo lançamento poder ser um novo mercado, uma nova tecnologia revolucionária, um produto inovador, etc. (6) O novo lançamento neste caso foi a "titularização" de empréstimos hipotecários através de um novo instrumento financeiro conhecido como obrigação colaterizada de dívida (collateralized debt obligation, CDO). Desde a década de 1970 os bancos tem estado a unir empréstimos hipotecários individuais, utilizando o fluxo de caixa proporcionado por estes empréstimos para gerar títulos apoiados por hipotecas residenciais. Estes empréstimos titularizados, num desenvolvimento posterior, foram eles próprios re-empacotados na forma de Obrigações hipotecárias colaterizadas ("Collateralized Mortgage Obligations", CMOs). As CMOs eram compostas do que chamamos de "tranches", ou agrupamentos de fluxos de rendimento de hipotecas divididas de modo a liquidar o principal de cada débito da tranche em sequência —a tranche mais elevadas primeiro, e assim por diante. Na década de 1990, e especialmente no fim da mesma, os bancos começaram a construir CDOs, os quais misturavam juntas hipotecas de baixo risco, médio risco e alto risco, juntamente com outros tipos de dívida.

As tranches agora representavam risco de incumprimento, com a tranche mais baixa a absorver todos os incumprimentos antes da tranche seguinte mais elevada, e assim por diante. As três maiores agências de crédito deram às tranches mais altas destes novos CDOs classificaram com notas de investimento (investment grade). (Um título com notas de investimento é aquele que se julga bastante provável cumprir as obrigações de pagamento de modo a que bancos possam neles investir — um título abaixo da nota de investimento é um título lixo). A suposição era que a dispersão geográfica e sectorial da carteira de empréstimos e o "esfatiamento" do risco converteria tudo menos o extremo inferior das tranches destes veículos de investimento em apostas seguras. Em muitos casos a tranche mais alta (e maior) de tais CDOs obtinha a melhor classificação possível ("AAA" — equivalente à classificação das obrigações do governo dos EUA) através do dispositivo de estar "assegurada" contra incumprimento por um companhia seguradora de títulos que fosse ela própria garantida por classificações AAA. Tudo isto criou um mercado para empréstimos hipotecários que se expandiu amplamente. Isto rapidamente abarcou os mutuários chamados "subprime" com fracas histórias de crédito e/ou baixos rendimentos que anteriormente estavam fora do mercado hipotecário. E ao obter altas classificações de crédito para os instrumentos resultantes, os bancos criadores destes títulos obtinham prontamente a capacidade para deles dispor por todos os novos mercados financeiros globais.

Cruciais para a bolha habitacional foram os canais fora do balanço estabelecidos pelos bancos, conhecidos como Veículos de investimento estruturado (Structured investment vehicles, SIVs) — eles próprios bancos virtuais — concebidos para manter CDOs. Estas entidades especiais financiavam suas compras de CDOs com a retirada sobre o mercado de papel comercial para financiamento a curto prazo. Isto significava que elas estavam a tomar emprestado fundos a curto prazo (através da emissão de "papel comercial apoiado por activo") para investir em títulos a longo prazo. A fim de tranquilizar os investidores, Foram feitos com bancos acordos "credit default swap", envolvendo grandes bancos como o Bank of America, através dos quais os SIV (neste caso os compradores de swaps) faziam pagamentos trimestrais em retorno aos banco (os vendedores de swaps) prometendo fazer um grande pagamento se os SIVs descobrissem seus activos a declinar e o seu crédito a secar e fossem forçados ao incumprimento. Isto, juntamente com outros factores, teve o efeito de deixar os bancos pontencialmente expostos aos riscos que eles supostamente haviam transferido para outra parte. (7)

Expansão do crédito


Uma expansão do crédito — a qual significa que pessoas ou corporações estão a assumir mais dívida — é necessária para alimentar qualquer bolha no preço de activos. Na bolha habitacional, taxas de juros extremamente baixas a seguir à explosão da bolha do mercado de acções e mudanças nas exigências de reservas dos bancos expandiram generalizadamente o crédito disponível para os mutuários, pouco importando a sua história de crédito. No princípio de Janeiro de 2001, o Federal Reserve Board reduziu as taxas de juro em doze sucessivos cortes de taxas, reduzindo a taxa básica dos fundos federais de 6 por cento para uma baixa pós Segundo Guerra Mundial de 1 por cento em Junho de 2003. (8)

Na resultante bolha habitacional o financiamento barato expandiu o número de mutuários de hipotecas apesar do aumento dos preços das casas. A combinação de taxas de juros extraordinariamente baixas e hipotecas mais longas resultou em pagamentos mensais acessíveis mesmo no momento e que os preços estavam rapidamente a aumentar. Se tais pagamentos mensais ainda fossem inacessíveis — como eram frequentemente uma vez que os salários reais estagnaram durante trinta anos e ao nível da entrada os empregos raramente pagam mais do que perto do salário mínimo — isto significava que foram concebidos para reduzir os pagamentos iniciais mais uma vez. Isto muitas vezes tomou a forma de hipotecas com taxas ajustáveis com baixa taxas de juro "dificultosas" ("teaser"), as quais seriam recompostas após um especificado período introdutório, habitualmente três a cinco anos ou menos. Ao pagar quase nenhum juro e ao não fazer pagamentos de capital, os novos compradores podiam agora "aceder" a lares a preços ainda mais elevados.

Compradores de casas pouco refinados foram prontamente seduzidos pela euforia dominante do boom imobiliário, e facilmente levados a acreditar que a ascensão contínua nos preços das suas casas lhes permitiria refinanciar suas hipotecas quando as taxas dificultosas expirassem. Muitos empréstimos hipotecários subprime montavam a 100 por cento do valor avaliado da casa. Os originadores dos empréstimos subprime tinham todo o incentivo para gerar e entrouxar juntos tantos destes empréstimos quanto possível uma vez que os empréstimos reempacotados eram rapidamente vendidos a outros. E, naturalmente, os custos da compra das casas rapidamente inflacionados cobertos por estes empréstimos subprime incluíam uma rica recolha na forma de comissões e pagamentos a um vasto e predatório enxame de intermediários na corretagem e na "indústria" de geração de hipotecas. "O montante das hipotecas subprimes emitidas e encaixadas no Mortgage Backed Securities saltou de US$56 mil milhões em 2000 para US$508 mil milhões no seu pico em 2005". (9)

Mania especulativa

A mania especulativa caracteriza-se por um aumento rápido na quantidade de dívida e uma redução igualmente rápida da sua qualidade. A assunção de empréstimos pesados é utilizada para comprar activos financeiros, não com base nos fluxos de rendimentos que eles poderão gerar e sim simplesmente na hipótese de aumentos de preços para estes activos. Isto é o que o economista Hyman Minsky denominou "finanças Ponzi" ou hiper-especulação. (10) As CDOs, com sua exposição a hipotecas subprime ou "resíduos tóxicos" financeiros, progressivamente assumiram esta forma clássica.

Não só os prestamistas hipotecários e prestatários subprime foram capturados neste desvario. Uma multidão crescente de especuladores imobiliários entrou no negócio de comprar casas a fim de vendê-las a preços mais altos. Muitos donos de habitações também começaram a encarar o aumento rápido no valor das suas casas como natural e permanente, e aproveitavam as baixas taxas de juro para refinanciar e retirar valor em cash dos seus lares. Isto foi um meio de manter ou aumentar os níveis de consumo apesar dos salários estagnados da maioria dos trabalhadores. No máximo da bolha os novos empréstimos hipotecários aumentaram US$1,1 milhões de milhões (trillion) só entre Outubro e Dezembro de 2005, trazendo a dívida hipotecária em poder do público, no seu todo, para US$8,66 milhões de milhões, o que equivale a 69,4 por cento do PiB dos Estados Unidos. (11)

Aflição

A aflição assinala uma mudança abrupta na direcção do mercado financeiro, muitas vezes resultante de algum evento externo. A bolha habitacional foi furada primeiro em 2006 devido ao aumento das taxas de juro, as quais provocaram uma reversão da direcção dos preços habitacionais nas regiões subprime problemáticas, primariamente a Califórnia, Arizona e Florida. Os tomadores de empréstimos que haviam estado na dependência de aumentos de dois dígitos nos preços das casas e taxas de juro muito baixas para refinanciar ou vender as casas antes de as taxas hipotecárias ajustáveis serem recompostas foram subitamente confrontados com preços de casas em queda e pagamentos de hipoteca que estavam a reajustar-se (ou iriam reajustar-se em breve) para cima. Os investidores começaram a preocupar-se com a possibilidade de o arrefecimento do mercado habitacional em algumas regiões se espalhasse para o mercado hipotecário como um todo e infectasse a economia global. Como indicador de tal aflição, os credit debt swaps concebidos para proteger investidores e utilizados para especular sobre a qualidade do crédito, aumentaram globalmente em 49 por cento para chegar a uma dívida teórica de US$42,5 milhões de milhões no primeiro semestre de 2007. (12)

Crash e pânico

O cenário final numa bolha financeira é conhecido como de crash e pânico, assinalado por uma liquidação rápida de activos numa "fuga para a qualidade" (isto é, liquidez). O cash mais uma vez torna-se rei. O crash inicial que abalou o mercado ocorreu em Julho de 2007 quando impodiram dois hedge funds do Bear Stearns que possuíam aproximadamente US$10 mil milhões em títulos apoiados por hipotecas. Um perdeu 90 por cento do seu valor, ao passo que o outro fundiu-se completamente. Quando se tornou evidente que este hedge funds eram incapazes de calcular o valor real dos seus haveres em numerosos bancos, na Europa e na Ásia assim como nos Estados Unidos, foram forçados a reconhecer a sua exposição às tóxicas hipotecas subprime. Sobreveio então uma severa sufocação do crédito quando se espalhou o medo entre as instituições financeiras, cada uma das quais estava incerta quanto ao nível de resíduos financeiros tóxicos que as outras possuíam. A infiltração do esmagamento do crédito para dentro do mercado de papel comercial cortou a principal fonte de financiamento para os SIVs patrocinados por bancos. Isto trouxe para a frente a muito pesada exposição ao risco de alguns dos grandes bancos decorrente dos credit defauld swaps. Um evento chave foi a falência e subsequente salvamento e nacionalização do banco hipotecário britânico Northern Rock, o qual em Setembro de 2007 foi o primeiro banco da Grã-Bretanha em mais de um século a experimentar uma corrida, com clientes a fazerem fila para retirar as suas contas poupança. Os seguradores de títulos dos EUA também começaram a implodir — um desenvolvimento particularmente ameaçador para o capital — devido à subscrição de credit-default swaps sobre títulos apoiados em hipotecas. (13)

O pânico financeiro espalhou-se rapidamente por todo o globo, reflectindo o facto de que investidores internacionais também estavam fortemente ligados à especulação com títulos americanos apoiados por hipotecas. Emergiram temores generalizados de que o crescimento económico mundial cairia para 2,5 por cento ou um nível mais baixos, o que para economistas define um mundo em recessão. (14) Grande parte do medo que varreu os mercados financeiros globais foi devida a um sistema tão complexo e opaco que ninguém sabia onde o resíduo tóxico estava enterrado. Isto levou a uma fuga para os títulos do Tesouro dos EUA e a uma diminuição drástica na concessão de empréstimos.

Em 19 de Janeiro de 2008 o Wall Street Journal declarava abertamente que o sistema financeiro havia entrado no "Cenário do pânico", referindo-se ao modelo de Kindelberger em Manias, Panics, and Crashes. O Federal Reserve Board respondeu, na sua função de prestamista de último recursos, despejando liquidez no sistema, reduzindo drasticamente a taxa de fundos federais dos 4,75 por cento em Setembro para 3 por cento em Janeiro, com mais cortes nas taxas de juro que se aguardam. O governo federal imiscuiu-se com um pacote de estímulos de US$150 mil milhões. Nada disto, contudo, serviu, na data em que isto era escrito (princípio de Março de 2008), para travar a crise, a qual está baseada na insolvência de grande parte do mercado hipotecário de muitos milhões de milhões de dólares, com novos choques a seguirem-se quando milhões de hipotecas com taxas ajustáveis vêm saltos nas taxas de juros. Acima de tudo, o fim da bolha habitacional minou a condição financeira dos consumidores estado-unidenses, já duramnte pressionados e pesadamente endividados, cujas compras equivalem a 72 por cento do PIB.

Quão séria será a desaceleração económica final ainda não se sabe. Analistas financeiros sugerem que os preços habitacionais devem cair na média algo como 20 a 30 por cento, e muito mais em algumas regiões, para retornarem às tendências históricas. (15) O declínio nos preços habitacionais dos EUA experimentou uma aceleração no quarto trimestre de 2007. (16) Isto mais o facto de que os consumidores estão a ser atingidos por outros problemas, tais como preços em crescimento nos combustíveis e alimentos, garante uma séria desaceleração (slowdown). Alguns observadores referem-se agora a um "ciclo da bolha" e vêem uma outra bolha como o único meio para impedir a catástrofe e restaurar rapidamente o crescimento da economia. (17) Outros vêem um período de crescimento persistentemente fraco.

Uma coisa é certa. Os grandes interesses capitalistas estão relativamente bem colocados para protegerem seus investimentos na fase de declínio através de todas as espécie de arranjos hedging e muitas vezes podem apelar ao governo para salvá-los. Eles também têm uma miríade de meios de transferir os custos para aqueles que estão mais baixos na hierarquia económica. As perdas portanto cairão desproporcionalmente sobre os pequenos investidores, trabalhadores e consumidores, e sobre economias do terceiro mundo. O resultado final, como em todos os episódios da história do sistema, será agravada concentração económica e no sector financeiro tanto à escala nacional como global.

Uma crise de financiarização

Pouco mais pode ser dito por agora acerca da evolução do declínio, o qual ainda terá de fazer o seu caminho através do sistema. De uma perspectiva histórica a longo prazo, contudo, estes eventos podem ser visto como sintomas de uma crise mais geral de financiarização, para além da qual espreita o espectro da estagnação. É através da exploração destas questões mais vastas e mais profundas enraizadas na produção com base de classe que podemos lançar luz sobre a significância dos desenvolvimentos acima para a acumulação de capital e o futuro da sociedade de classe capitalista.

Numerosos comentadores têm censurado severamente a economia dos EUA pela sua "monstruosa bolha do crédito barato ... com uma bolha a produzir outra" — nas palavras de Stephen Roach, presidente do Morgan Stanley Asia. Em outra parte Roach observou que "as bolhas da América têm ficado cada vez maiores, tal como os segmentos da economia real que elas têm infectado". A dívida familiar aumentou 133 por cento do rendimento pessoal disponível, ao passo que a dívida de corporações financeiras atingiu a estratosfera, e a dívida do governo e de corporações não financeiras tem estado a aumentar constantemente. (18) Esta enorme explosão no endividamento — consumidor, corporações e governo — em relação à economia subjacente (igual a bem mais de 300 por cento do PIB na altura do pico da bolha habitacional em 2005) tem tanto erguido a economia como conduzido à instabilidade crescente. (19)

Comentadores dos media "de referência" muitas vezes tratam isto como uma neurose nacional ligada a um vício americano no consumo elevado, grandes tomadas de empréstimos e poupanças pessoais evanescentes. Economistas radicais, entretanto, tomaram a dianteira ao apontar para uma transformação estrutural no próprio processo de acumulação de capital associado ao processo histórico com décadas — agora comumente chamado financiarização — no qual o papel tradicional das finanças como uma serva útil da produção foi invertido, com as finanças agora a dominarem sobre a produção.

A questão da financiarização do processo de acumulação de capital foi sublinhada um quarto de século atrás na Monthly Review, por Harry Magdoff e Paul Sweezy, num artigo sobre "Produção e finanças". Arrancando com uma teoria (chamada a "tese da estagnação") (20) que via a explosão financeira como uma resposta à estagnação da economia subjacente, eles argumentaram que isto ajudou a "compensar a capacidade produtiva excedente da indústria moderna" tanto através do seu efeito directo sobre o emprego e indirectamente através do estímulo à procura criado por uma valorização de activos (agora referidos como a "criação de riqueza"). (21) Mas a questão levanta-se naturalmente: Poderia um tal processo continuar? Eles responderam:

De um ponto de vista estrutural, isto é, dada a independência de extremo alcance do sector financeiro acima discutida, a inflação financeira desta espécie pode persistir indefinidamente. Mas será que isto não obriga ao colapso face à teimosa estagnação do sector produtivo? Serão estes dois sectores realmente independentes? Ou será que estamos a falar meramente acerca de uma bolha inflacionária que é obrigada a explodir como muitas manias especulativas o fizeram na história passada do capitalismo?

Nenhuma resposta garantida pode ser dada a estas questões. Mas estamos inclinados a ver que na fase actual da história do capitalismo — exceptuando um choque de forma alguma improvável como a ruptura do sistema monetário e bancário internacional — a coexistência da estagnação no sector produtivo e da inflação no sector financeiro pode continuar por um longo tempo. (22)

Na raíz da tendência da financiarização, argumentaram Magdoff e Sweezy, estava a estagnação subjacente da economia real, a qual constituía o estado normal do capitalismo moderno. Nesta visão, não era a estagnação que precisava ser explicada e sim os períodos de crescimento rápido, tais como a década de 1960.

Os economistas da corrente dominante prestaram escassa atenção à tendência estagnacionista em economias maduras. Na ideologia económica recebida considera-se o crescimento rápido como uma propriedade intrínseca do capitalismo como um sistema. Confrontados com o que parece o princípio de uma grande baixa económica somos então estimulados a vê-la como um mero fenómeno cíclico — penoso, mas auto-correctivo. Mais cedo ou mais tarde uma plena recuperação ocorrerá e o crescimento retornará ao seu ritmo rápido normal.

Contudo, há uma visão económica radicalmente diferente, da qual Magdoff e Sweezy estavam entre os principais representantes, que sugere que o caminho normal das economias capitalistas maduras, tais como aquelas dos Estados Unidos, dos principais países da Europa Ocidental e o Japão, é o da estagnação ao invés do crescimento rápido. Nesta perspectiva, as crises periódicas de hoje, ao invés de constituírem meras interrupções temporários num processo de avanço acelerado, apontam para sérios e crescentes constrangimentos a longo prazo na acumulação de capital.

Uma economia capitalista a fim de continuar a crescer deve descobrir constantemente novas fontes de procura para o crescente excedente que ela gera. Entretanto, na evolução histórica da economia, chega um momento em que grande parte do excedente à procura de investimento gerado pela enorme e crescente produtividade do sistema é incapaz de descobrir suficientes novas saídas de investimento lucrativo. As razões para isto são complexas e têm a ver com (1) a maturação das economias, nas quais a estrutura industrial básica já não precisa de ser construída a partir do zero e sim simplesmente reproduzida (e portanto normalmente pode ser financiada pelas quotas de amortização); (2) a ausência durante longos período de qualquer nova tecnologia que gere estímulos que façam uma época e a transformação da economia, tal como ocorreu com a introdução do automóvel (mesmo a utilização generalizada de computadores e da Internet não teve o efeito estimulante sobre a economia das tecnologias transformativas anteriores); (3) crescente desigualdade de rendimento e riqueza, a qual limita a procura por consumo na base da economia e tende a reduzir o investimento quando capacidade produtividade não utilizada já construída e os ricos especulam mais com os seus fundos ao invés de investirem na economia "real" — os sectores que produzem bens e serviços; e (4) um processo de monopolização (oligopolização) que conduz a uma atenuação da competição através dos preços — habitualmente considerada como a principal força responsável pela flexibilidade e dinamismo do sistema. (23)



Historicamente, a presença da estagnação sentiu-se mais dramaticamente na Grande Depressão da década de 1930. Ela foi interrompida pelo estímulo económico proporcionado pela Segunda Guerra Mundial e pelas condições excepcionalmente favoráveis após a guerra, na chamada "Era Dourada". Mas quando as condições favoráveis diminuíram a estagnação voltou à superfície na década de 1970. A utilização da capacidade manufactureira começou o seu declínio secular que continuou até ao presente, numa média de apenas 79,8 por cento no período 1972-2007 (a comparar com uma média de 85 por cento em 1960-69). Em parte como resultado disto o investimento líquido vacilou (ver gráfico 2). (24)

O papel clássico do investimento líquido (após reservas para substituição de equipamento desgastado) na teoria do desenvolvimento capitalista é claro. Ao nível da firma, é apenas investimento líquido que absorve excedente à procura de investimento que corresponde a lucros não distribuídos (e não onerados pelo fisco) das firmas — uma vez que o remanescente do investimento bruto é investimento de substituição coberto por dotações para consumo de capital. Como observou em 1983 o economista Harold Vatter num artigo intitulado "The Atrophy of Net Investment",

Ao nível do representante individual da empresa, a fuga ao investimento líquido significa a aproximação do término da raison d'être histórica e profundamente enraizada da firma não financeira: a acumulação de capital. Em consequência, aos lucros contabilísticos não distribuídos, se não forem tomados pelo fisco, faltariam os destinos tradicionais (procura efectiva na forma de investimento líquido), pelo menos numa economia fechada. (25)

O investimento no sector privado que outrora representava a força condutora principal da economia capitalista, absorvendo um excedente económico crescente. Foi o relativamente alto investimento fixo líquido não residencial dos privados (juntamente com gastos do governo orientados para as despesas militares) que ajudou a criar e sustentar a "Era Dourada" da década de 1960. A falta de tal investimento (em percentagem do PIB) no princípio da década de 1970 (com breve excepções no fim dos anos 1970-princípio dos anos 1980, e fim dos anos 1990), assinalou que a economia era incapaz de absorver todo o excedente à procura de investimento que ela estava a gerar, e portanto marcou o início do aprofundamento da estagnação na economia real de bens e serviços.

O problema total tem-se agravado ao longo do tempo. Nove em cada dez anos com o mais baixo investimento fixo líquido não residencial como percentagem do PIB ao longo do último meio século (até 2006) estiveram nas décadas de 1990 e 2000. Entre 1986 e 2006, em apenas um ano — o de 2000, exactamente antes do crash do mercado de acções — a percentagem do PIB representada pelo investimento fixo líquido privado não residencial atingiu a média de 1960-79 (4,2 por cento). Este fracasso no investimento não se deve evidentemente não à falta de excedente à procura de investimento. Um indicador disto é que as corporações agora sentam sobre uma montanha de cash — um excesso de US$600 mil milhões em poupanças corporativas que foram acumuladas ao mesmo tempo que o investimento tem estado a declinar devido à falta de saídas lucrativas. (26)

O que tem impedido as coisas de ficarem piores nas últimas poucas décadas, devido ao declínio do investimento líquido e aos limites sobre os gastos civis do governo, tem sido principalmente as finanças em ascensão. Isto proporcionou uma escapatória considerável para o excedente económico, no chamado FIRE (finanças, seguros e imobiliário), empregando muitas novas pessoas neste sector não produtivo da economia, ao mesmo tempo, também, estimulando indirectamente a procura através do impacto da valorização de activos (o efeito riqueza).

Além das finanças, o principal estímulo para a economia, nos últimos anos, tem sido os gastos militares. Como observou o crítico do império Chalmers Johnson em Le Monde Diplomatique de Fevereiro de 2008:

As despesas planeadas pelo Departamento da Defesa para o ano fiscal de 2008 são maiores do que os orçamentos militares de todos os outros países em conjunto. O orçamento suplementar para pagar as guerras actuais no Iraque e no Afeganistão, que não fazem parte do orçamento oficial da defesa, é maior do que os orçamentos conjuntos da Rússia e da China. Os gastos relacionados com a defesa no ano fiscal de 2008 excederão US$1 milhão de milhões (trillion) pela primeira vez na história... Deixando de lado as duas guerras em curso do presidente Bush, os gastos de defesa duplicaram desde meados da década de 1990. O orçamento de defesa para o ano fiscal de 2008 é o maior de todos desde a segunda guerra mundial. (27)

Contudo, mesmo o estímulo proporcionado por tais gastos militares gigantescos hoje não é suficiente para retirar o capitalismo americano da estagnação. Portanto, a economia tornou-se cada vez mais dependente da financiarização como veículo chave de crescimento.

Ao apontar em 1994 para esta condição económica alterada de forma dramática, numa palestra para estudantes de ciências económicas de Harvard, Sweezy declarou:

Antigamente as finanças eram tratadas como um modesto auxiliar da produção. Elas tenderam a ganhar vida por si próprias e gerar excessos especulativos nas etapas finais das expansões do ciclo de negócios. Em regra estes episódios eram de breve duração e não tinham efeitos duradouros sobre a estrutura e o funcionamento da economia. Em contraste, o que aconteceu em anos recentes foi o crescimento de um sector financeiro relativamente independente, não num período de super-aquecimento mas ao contrário num período de alto nível de estagnação (alto nível devido ao apoio proporcionado à economia pelo sector público orientado militarmente) no qual a indústria privada é lucrativa mas carente de incentivos para expandir, portanto a estagnação do investimento privado real. Mas uma vez que as corporações e os seus accionistas estão a sair-se bem e, como sempre, estão ansiosos por expandir o seu capital, eles despejam dinheiro dos mercados financeiros, o qual responde com a expansão da sua capacidade de manusear estas somas crescentes e oferece novas espécie de instrumentos financeiros atraentes. Tal processo começou na década de 1970 e realmente arrancou na de 1980. No fim da década, a velha estrutura da economia, consistente num sistema de produção servido por um modesto auxiliar financeiro, havia dado lugar a uma nova estrutura na qual um sector financeiro grandemente expandido havia alcançado um alto grau de independência e sentava sobre o topo do sistema de produção subjacente. Isto, no essencial, é o que temos agora. (28)

Desta perspectiva, o capitalismo na sua fase monopolista-financeira tornou-se cada vez mais dependente do inchaço do sistema de crédito-débito a fim de escapar aos piores aspectos da estagnação. Além disso, nada no próprio processo de financiarização apresenta uma via de saída deste círculo vicioso. Hoje a explosão de dois bolha num período de sete anos no centro do sistema capitalista aponta para uma crise de financiarização, por trás da qual espreita a estagnação profunda, sem saída visíveis da armadilha presente além do enchimento de novas bolhas.

Será a financiarização um problema real ou simplesmente um sintoma?

Os argumentos anteriores levam à conclusão de que a estagnação gera financiarização, a qual é o meio principal pelo qual o sistema continua a coxear até ao momento. Mas deve ser notado que trabalhos recentes de alguns economistas radicais nos Estados Unidos apontaram para a conclusão diametralmente oposta: que a financiarização gera estagnação. Nesta visão, é a financiarização ao invés da estagnação que parece ser o problema real.

Isto pode ser visto num documento de trabalho de Novembro de 2007 do Political Economy Research Institute escrito por Thomas Palley, intitulado "Financialization: What It Is and Why It Matters". Palley observa que "a era da financiarização foi associada com crescimento económico geralmente morno... Em todos os países excepto o Reino Unido, o crescimento médio anual caiu durante a era da financiarização que se iniciou após 1970. Além disso, o crescimento também parece mostrar uma tendência vagarosa pois o crescimento na década de 1980 foi mais alto do que na de 1990, o qual por sua vez foi mais alto do que na de 2000". Ele prossegue ao observar que "o ciclo de negócios gerado pela financiarização pode ser instável e finalizar uma estagnação prolongada". No entanto, o ponto principal do argumento de Palley é que esta "estagnação prolongada" é uma consequência da financiarização ao invés de outro meio para contorná-la. Portanto ele afirma que factores como "estagnação de salários e desigualdade agravada de rendimentos" são "devidos significativamente a mudanças forjadas pelos interesses do sector financeiro". O "novo ciclo de negócios" dominado pelo "culto da finança" é dito conduzir a mais volatilidade decorrente de bolhas financeiras. Portanto, "a financiarização pode tornar a economia presa da dívida-deflação e da recessão prolongada". Palley chama a este argumento a "tese da financiarização". (29)

Não há dúvida de que uma profunda estagnação prolongada poderia emergir no fim de uma bolha financeira, isto é, com o desaparecimento de um período de financiarização rápida. Afinal de contas, foi isto o que aconteceu ao Japão a seguir à explosão do seu mercado de activos imobiliários e de acções em 1990. (30) A análise que apresentamos aqui, entretanto, sugeriria que um mal estar económico desta espécie é mais habitualmente encarado como uma crise de financiarização ao invés de atribuível aos efeitos negativos da financiarização sobre a economia, tal como sugerido por Palley. O problema é que o processo de financiarização caiu num impasse e com isso o crescimento que ele gerava.

O ponto que estamos aqui a destacar pode ser clarificado examinando outro documento de trabalho (Outubro de 2007, também do Political Economy Research Institute) do economista Özgür Orhangazi sobre "Financialization and Capital Accumulation in the Non-Financial Corporate Sector." Orhangazi argumenta que "investimento financeiro acrescido e oportunidades de lucro financeiras acrescidas expulsam o investimento real ao mudar os incentivos dos administradores das firmas e dirigir os fundos para longe do invetimento real". Notando que "a taxa de acumulação de capital [referindo-se ao investimento fixo líquido não residencial por corporações não financeiras] tem sido relativamente baixa na era da financiarização", Orhangazi encara isto como sendo devido ao "investimento acrescido em activos financeiros", os quais "pode ter um efeito de 'expulsão' sobre o investimento real": a estagnação é então convertida de uma causa (como na tese da estagnação) em um efeito (na tese da financiarização). (31)

Todavia, a ideia da "expulsão" do investimento pela especulação financeira faz pouco sentido, na nossa opinião, quando colocada no contexto actual de uma economia caracterizada pela ascensão do excesso de capacidade e pelo desaparecimento de oportunidades de investimento líquido. Há muitas saídas lucrativas para o capital na economia real de bens e serviços. Um limite muito estreito existe em relação ao número de oportunidades de geração de lucro associado à criação de novos ou automóveis ou fabricação de electrodomésticos, cabeleireiros, estabelecimentos de comida rápida, e assim por diante. Sob as circunstâncias de um processo de acumulação de capital a que faltam saída lucrativas e trava constantemente, a acumulação de mais e mais dívidas (e a inflação de preços de activos que isto produz) é uma alavanca poderosa, como vimos, no estímulo ao crescimento. Reciprocamente qualquer redução no inchaço da dívida ameaça este crescimento. Isto não quer dizer que a dívida deveria ser encarada como uma cura para tudo. Ao contrário, para a fraca economia subjacente de hoje nenhuma quantia de estímulo da dívida é suficiente. Está na natureza do capital monopolista-financeiro de hoje que ele "tende a tornar-se viciado em dívida: cada vez necessita mais dela apenas para manter o motor em andamento". (32)

Ainda assim, por importante que a financiarização se tenha tornado na economia contemporânea, isto não deveria cegar-nos para o facto de que o problema real jaz alhures: em todo o sistema de exploração de classe enraizado na produção. Neste sentido a financiarização é meramente um meio de compensar a doença subjacente que afecta a própria acumulação de capital. Como escreveu Marx em O Capital, "A superficialidade da economia política mostra-se no facto de que ela encara a expansão e contracção do crédito como a causa das alterações periódicas do ciclo industrial, quando ela é um mero sintoma deles". Apesar da vasta expansão do crédito-dívida no capitalismo de hoje, continua a ser verdade que a barreira real para o capital é o próprio capital: manifestada na tendência rumo à sobre-acumulação de capital.

A crítica bem intencionada da financiarização avançada por Palley, Orhangazi e outros da esquerda é destinada à re-regulamentação do sistema financeiro, e a eliminação de alguns dos piores aspectos do neoliberalismo que emergiram na era do capital monopolista-financeiro. A intenção clara é criar uma nova arquitectura financeira que estabilizará a economia e protegerá o trabalho assalariado. Mas se o argumento anterior é correcto, tais esforços para re-regulamentar as finanças provavelmente fracassarão nos seus objectivos principais, uma vez que quaisquer tentativas sérias de dominar o sistema financeiro arrisca-se a desestabilizar todo o regime de acumulação, o qual precisa constantemente da financiarização para subir a níveis sempre mais altos.

As únicas coisas que de modo concebível poderiam ser feitas dentro do sistema para estabilizar a economia, afirmou Sweezy em 1994 na palestra de Harvard, seria expandir muito a despesa civil do Estado em vias que genuinamente beneficiassem a população; e executar uma realmente radical redistribuição do rendimento e da riqueza da espécie "a que Joseph Kennedy, o fundador da dinastia Kennedy" se referiu "em meados da Grande Depressão, quando as coisas pareciam gélidas" — indicando "que ele abandonaria com satisfação a metade da sua fortuna se pudesse ter a certeza de que a outra metade ficaria mais segura". Naturalmente, nenhuma destas propostas radicais está na agenda do presente, e a natureza do capitalismo é tal que se uma crise alguma vez levasse à sua adopção, os interesses adquiridos fariam todas as tentativas para repelir tais medidas no momento em que a crise houvesse passado. (33)

A dura verdade é que o regime do capital monopolista-financeiro está concebido para beneficiar um minúsculo grupo de oligopolistas que dominam tanto a produção como as finanças. Um número relativamente pequeno de indivíduos e corporações controla enormes reservas de capital e não encontram outro meio de continuar a ganhar dinheiro na escala necessária senão através de uma pesada dependência nas finanças e na especulação. Isto é uma contradição de raízes profundas intrínseca ao desenvolvimento do próprio capitalismo. Se o objectivo é promover as necessidades da humanidade como um todo, o mundo mais cedo ou mais tarde terá de abraçar um sistema alternativo. Não há outro caminho.

05/Março/2008

Notas
(1) John Bellamy Foster, "Financialization of Capitalism," Monthly Review 58, no. 11 (April 2007): 8–10. Ver também John Bellamy Foster, "The Household Debt Bubble," Monthly Review 58, no. 1 (May 2006): 1–11, e "Monopoly-Finance Capital," Monthly Review 58, no. 7 (December 2006); e Fred Magdoff, "The Explosion of Debt and Speculation," Monthly Review 58, no. 6 (November 2006), 1–23.

(2) "U.S. Recovery May Take Longer than Usual: Greenspan," Reuters, February 25, 2008.

(3) Paul M. Sweezy, "More (or Less) on Globalization," Monthly Review 49, no. 4 (September 1997): 3.

(4) Stephanie Pomboy, "The Great Bubble Transfer," MacroMavens, April 3, 2002, http://www.macromavens.com/reports/the_great_bubble_transfer.pdf; Foster, "The House-hold Debt Bubble," 8–10.

(5) A discussão seguinte das cinco fases da bolha habitacional repousa primariamente nas seguintes fontes: Juan Landa, "Deconstructing the Credit Bubble," Matterhorn Capital Management Investor Update, 3rd Quarter 2007, http://www.matterhorncap.com/pdf/3q2007.pdf., and "Subprime Collapse Part of Economic Cycle," San Antonio Business Journal, October 26, 2007, and Charles P. Kindelberger and Robert Aliber, Manias, Panics, and Crashes (Hokoben, New Jersey: John Wiley and Sons, 2005).

(6) Na análise das bolhas financeiras que Charles Kindelberger apresentou com base na teoria anterior da instabilidade financeira iniciada por Hyman Minsky, a fase da bolha associada aqui com um "novo lançamento" é mais frequentemente mencionada como "deslocação", um conceito que é suposto combinar as ideias de choque económico e inovação. Uma vez que "novo lançamento" é mais descritivo daquilo que realmente acontece na formação de uma bolha, é muitas vezes substituído por "deslocamento" em tratamentos concretos. Ver Kindelberger and Aliber, Manias, Panics, and Crashes, 47–50.

(7) Floyd Norris, "Who's Going to Take the Financial Weight?," New York Times, October 26, 2007; "Default Fears Unnerve Markets," Wall Street Journal, January 18, 2008.

(8) Federal Reserve Bank of New York, "Historical Changes of the Target Federal Funds and Discount Rates," http://www.newyorkfed.org/markets/statistics/dlyrates/fedrate.html.

(9) Landa, "Deconstructing the Credit Bubble."

(10) Hyman Minsky, Can "It" Happen Again? (New York: M.E. Sharpe, 1982), 28–29.

(11) "Household Financial Condition: Q4 2005," Financial Markets Center, March 19, 2006, http://www.fmcenter.org; Foster, "The Household Debt Bubble," 8.

(12) "Global Derivatives Market Expands to $516 Trillion (Update)," Bloomberg.com, November 22, 2007.

(13) "Bond Insurer Woes May Mean End of Loophole," Reuters, February 13, 2008.

(14) "Global Recession Risk Grows as U.S. 'Damage' Spreads," Bloomberg.com, January 28, 2008. Este relatório refere-se à recessão ao nível mundial, tal como descrito pelos economista, como 3 por cento ou inferior. Mas 2,5 por cento é provavelmente mais exacto, i.é, mais próximo das recentes recessões mundiais e pontos de vista do FMI.

(15) Stephen Roach, "America's Inflated Asset Prices Must Fall," Financial Times, January 8, 2008.

(16) "Decline in Home Prices Accelerates," Wall Street Journal, February 27, 2008.

(17) Eric Janszen, "The Next Bubble," Harper's (February 2008), 39–45.

(18) Roach, "America's Inflated Asset Prices Must Fall," and "You Can Almost Hear it Pop," New York Times, December 16, 2007.

(19) Fred Magdoff, "The Explosion of Debt and Speculation," 9.

(20) A expressão "tese da estagnação" foi na origem associada primariamente ao argumento de Alvin Hansen em resposta Grande Depressão. Ver Hansen, "The Stagnation Thesis" in American Economic Association, Readings in Fiscal Policy (Homewood, Illinois: Richard D. Irwin, Inc., 1955), 540–57. Posteriormente foi utilizado por Baran e Sweezy's Monopoly Capital. Ver Harry Magdoff, "Monopoly Capital" (review), Economic Development and Cultural Change 16, no. 1 (October 1967): 148.

(21) O conceito do "efeito riqueza" refere-se à tendência de o consumo crescer independentemente do rendimento devido à ascensão dos preços dos activos sob a financiarização. A utilização mais antiga da expressão foi num artigo de 27/Janeiro/1975 na Business Week intitulado "How Sagging Stocks Depress the Economy." Alan Greenspan empregou o conceito do "efeito riqueza" em 1980 para referir-se ao efeito do aumento nos preços das casas no estímulo ao consumo por parte dos proprietários das mesmas — Greenspan, "The Great Malaise," Challenge 23, no. 1 (March–April 1980): 38. Ele posteriormente utilizou-o para racionalizar a bolha do mercado de acções da Nova Economia da década de 1990.

(22) Harry Magdoff and Paul M. Sweezy, "Production and Finance," Monthly Review 35, no. 1 (May 1983): 11–12.

(23) O argumento básico foi articulado emnumerosas publicações Paul Baran, Paul Sweezy, e Harry Magdoff desde a década de 1950 até a de 1990.

(24) Federal Reserve Statistical Release, G.17, "Industrial Production and Capacity Utilization," February 15, 2008, http://www.federalreserve.gov/releases/g17/Current/default.htm; John Bellamy Foster, "The Limits of U.S. Capitalism: Surplus Capacity and Capacity Surplus," in Foster and Henryk Szlajfer, ed., The Faltering Economy (New York: Monthly Review Press, 1984), 207.

(25) Harold G. Vatter, "The Atrophy of Net Investment," in Vatter and John F. Walker, The Inevitability of Government Spending (New York: Columbia University Press, 1990), 7. Vatter nota que o investimento líquido como uma fatia do produto nacional líquido (PNL) caiu para a metade entre o último quarto do século XIX e os meados do século XX. Vatter and Walker, Inevitability of Government Spending, 8.

(26) "Companies are Piling Up Cash," New York Times, March 4, 2008. Este amontoamento de cash foi o produto da última década, com o nível médio de cash como percentagem do total de activos das corporações no índice 500 do Standard & Poor's a duplicar entre 1998 e 2004 (e o rácio mediano a triplicar).

(27) Chalmers Johnson, "Why the US has Really Gone Broke," Le Monde Diplomatique (English edition), February 2008. O número de Johnson de US1 milhão de milhões para os gastos militares dos EUA foi obtido somando-se os suplementos requeridos para as guerras no Iraque e no Afeganistão ao orçamento do Departamento da Defesa para o ano fiscal de 2008 (chegando-se a um grande total de US$766 mil milhões), e então acrescentando-se a isto o gastos militares ocultos nos orçamentos do Departamento da Energia, Departamento de Segurança Interna, Veterans Affairs, etc.

(28) Paul M. Sweezy, "Economic Reminiscences," Monthly Review 47, no. 1 (May 1995), 8–9.

(29) Thomas I. Palley, "Financialization: What It Is and Why It Matters", Working Paper Series, no. 153, Political Economy Research Institute, November 2007, 1, 3, 8, 11, 21, http://www.peri.umass.edu/Publication.236+M505d3f0bd8c.0.html

(30) Ver Kindelberger e Aliber, Manias, Panics, and Crashes, 126–35.

(31) Özgür Orhangazi, "Financialization and Capital Accumulation in the Non-Financial Corporate Sector," Working Paper Series, no. 149, Political Economy Research Institute, October 2007, 3–7, 45, http://www.peri.umass.edu/Publication.236+M547c453b405.0.html.

(32) Harry Magdoff e Paul M. Sweezy, The Irreversible Crisis (New York: Monthly Review Press, 1988), 49.

(33) Sweezy, "Economic Reminiscences," 9–10.


John Bellamy Foster é editor da Monthly Review, a sua ediçom em português pode ver-se aqui.

O original encontra-se em http://monthlyreview.org/080401foster.php . Tradução de JF.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Leia mais...